
Luciana Gambatto, de 52 anos, segue se identificando como balconista de farmácia, apesar de não ter conseguido se realocar no mercado de trabalho desde que teve câncer de mama, em 2021. A moradora de Viamão, na Região Metropolitana de Porto Alegre (RS), recebeu o diagnóstico da doença já em estágio metastático, espalhada para os ossos.
O tumor foi descoberto a partir das dores que ela sentia no pescoço. “Fiz exames e o raio X acusou que podia ser um mieloma múltiplo. Fiquei internada, fiz a coleta da medula e nela descobrimos que uma metástase do câncer de mama havia destruído o disco entre minha terceira e a quarta vértebra. As mamografias eram inconclusivas, mas após a biópsia foram constatados tumores em ambas as mamas, escondidos atrás de glândulas de gordura”, lembra Luciana.
Principais sintomas do câncer de mama
- Aparecimento de nódulo, geralmente indolor, duro e irregular, nas mamas.
- Edema na pele, que fica com aparência de casca de laranja.
- Retração da pele.
- Dor.
- Inversão do mamilo.
- Descamação ou ulceração do mamilo.
- Secreção transparente, rosada ou avermelhada que sai do mamilo.
- Linfonodos palpáveis na axila.
Ela descreve a descoberta como “impactante e avassaladora”, assim como o tratamento que se seguiu. O tratamento contra o tumor foi feito com seis sessões de quimioterapia, realizadas em ciclos de 21 dias. A cirurgia mamária não foi indicada, devido à metástase, mas ela precisou passar por um procedimento delicado para implantar uma prótese na coluna.
Impacto financeiro do tratamento
Apesar dos desafios, Luciana conseguiu superar o tratamento, mas os impactos da doença seguem, especialmente no financeiro. Desde o diagnóstico, ela não conseguiu voltar ao trabalho e tem dificuldade para arcar com as contas.
“Recebi o auxílio-doença, mas mal conseguia pagar meu deslocamento e alimentação. Os exames, que muitas vezes precisava fazer no particular, também não consegui bancar”, lembra.
Além de não conseguir retornar às suas funções anteriores, onde passava o expediente todo em pé, a balconista ainda não foi contratada em nenhuma outra posição.
“A empresa em que trabalhei em nenhum momento se mostrou solidária. Ao contrário, no momento mais difícil, me ligaram para saber se meu caso era realmente grave, sem mostrar nem um pouco de empatia”, lamenta. “Não há acolhimento. As leis estão só no papel.”
Atualmente, mesmo com a aposentadoria por invalidez concedida pelo INSS, Luciana ainda tem uma renda inferior à que tinha quando conseguia trabalhar. “A doença só piorou o financeiro”, afirma.
Desemprego após o diagnóstico é comum
Luciana não está sozinha nessa jornada. Segundo um levantamento feito pela Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama), em parceria com o instituto DataFolha e a farmacêutica AstraZeneca em 2024, quatro em cada dez mulheres brasileiras deixaram de trabalhar após o diagnóstico do câncer de mama.
O estudo ouviu 240 pacientes diagnosticadas em cidades como São Paulo, Salvador, Curitiba, Goiânia e Rio de Janeiro. Ele indica que 60% das mulheres CLT e freelancers acabaram tendo que deixar suas funções ou foram demitidas após o diagnóstico.
Como um terço das pacientes diagnosticadas com câncer de mama têm menos de 55 anos de idade, a doença acaba tirando a oportunidade de ter independência financeira muito cedo. A mastologista Maira Caleffi, presidente fundadora da Femama, lamenta que esta ainda seja uma realidade tão frequente no país.
“Quase um terço das brasileiras empregadas antes do diagnóstico não retorna mais ao mercado de trabalho, mesmo após o tratamento. Isso pode ser fruto tanto das sequelas da doença, especialmente quando encontrada em um estado avançado, quanto indicar algum estigma enfrentado pelas pacientes. Vale observar que muitas vezes as mulheres abrem mão do tratamento para não ficar sem fonte de renda”, afirma.
Custo do tratamento vai além da saúde
Apesar de várias opções para o tratamento do câncer de mama estarem disponíveis no SUS, os custos indiretos recaem sobre as pacientes. Gastos com transporte, alimentação e exames complementares não são cobertos.
Além disso, com as filas para consultas, muitas mulheres acabam descobrindo a doença em estados mais avançados, quando os comprometimentos físicos causados pelos tumores já se tornaram mais duradouros.
“Sem diagnóstico na fase inicial ou sem o acesso aos medicamentos e tratamentos adequados, as mulheres atingidas pelo câncer de mama acabam sofrendo impactos que vão muito além do aspecto clínico, afetando profundamente a vida profissional, financeira, emocional e social”, afirma Luiz André Magno, diretor médico da farmacêutica Eli Lilly no Brasil.
Sistema de saúde ainda falha
Luciana, por exemplo, precisou acionar a Justiça para ter acesso ao medicamento indicado pela oncologista. “Mesmo tendo plano de saúde, me negaram duas vezes o fornecimento da medicação que eu precisava tomar imediatamente. Precisei pagar advogado para conseguir um remédio que era meu direito”, conta.
Além das barreiras médicas e burocráticas, muitas mulheres enfrentam resistência no ambiente corporativo. Para a balconista, o retorno ao trabalho é quase inviável sem adaptações, compreensão e suporte.
Segundo a mastologista Maira, o tipo de vínculo empregatício influencia diretamente na estabilidade financeira da paciente. Mulheres que atuam como autônomas ou em empregos informais ficam mais expostas. Algumas interrompem o tratamento para não perder a renda.
“Infelizmente, é um dado que já esperávamos, de acordo com a experiência que temos dentro do tema”, relata Gabriele Alves, coordenadora de Pesquisa e Informação em Saúde da Femama. “Muitas querem abandonar o tratamento e não tem quem diga: ‘Continua, vai melhorar’”, explica.
Sintomas persistem após o fim do tratamento
Após uma trajetória tão longa de luta contra a doença, Luciana passou a integrar o grupo Viamama, uma rede informal de apoio em sua cidade. A organização promove palestras, campanhas e acolhimento para mulheres com diagnóstico de câncer de mama. O grupo acaba preenchendo lacunas deixadas pelo poder público.
Muitos dos efeitos adversos do tratamento do câncer de mama impactam a vida das pacientes por anos após o diagnóstico. Um estudo feito nos Estados Unidos publicado em 2019, por exemplo, indicou que, globalmente, metade das mulheres com câncer de mama com menos de 60 anos não voltam a trabalhar.
Pacientes com câncer em estágio 3, que passaram por mastectomia ou tratamentos intensivos, como a combinação de quimioterapia e imunoterapia, são as que mais sofrem tanto com a impossibilidade de trabalhar como com as consequências a longo prazo após o tratamento.
“Alguns sintomas importantes que podem ser persistentes são fadiga, alterações na função do braço mais próximo da mama atingida, problemas cardíacos e menopausa precoce, no caso das mulheres mais jovens, além de sintomas psicológicos, como ansiedade e depressão”, finaliza Maíra.
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